
Caio Fernando Abreu
"A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como "um deserto de almas". O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clips no relógio de ponto, vezenquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico. Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.
Suas mesas ficavam lado a lado. Nove horas diárias, com intervalo de uma para o almoço. E perdidos no meio daquilo que Raul (ou teria sido Saul?) chamaria, meses depois, exatamente de "um deserto de almas", para não sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, sem querer justificá-los — ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu. Tão lentamente que mal perceberam."
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Só pelo fato do texto ser do Caio Fernando já é o suficiente para saber que vale a pena ler. Vocês acreditam que assim como Raul, eu também tenho um Saul (melhor, Mônica) que divide o tempo comigo no trabalho. Até a disposição dos móveis e o tipo de trabalho se parecem com o meu. Me identifiquei de cara! E o melhor: o texto foi adaptado e virou peça (o cartaz está velhinho, mas tá valendo). Vou tentar assistir.
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Um super beijo a todos!;)
Um super beijo a todos!;)